Entrevista concedida à EPTV – São Carlos pela psicóloga Emanuelle Cristina Paulino
Serão abordadas algumas considerações sobre o processo de separação conjugal e suas respectivas causas, algumas reações emocionais, negativas e positivas, freqüentemente experimentadas pelas pessoas envolvidas e o papel do terapeuta neste processo.
A desarmonia é um grande problema social, dada a sua alta incidência (1 de 4 casais americanos declararam-se infelizes em seu casamento).
A infelicidade não parece ser um estado transitório, pois há um aumento na insatisfação com o casamento proporcionalmente ao seu tempo de existência.
A insatisfação matrimonial tende a aumentar, na medida em que aumenta a duração do casamento.
A experiência clínica tem mostrado que o período mais crítico é o dos dois primeiros anos que sucedem a separação.
Existe muita dificuldade em aceitar a separação como algo definitivo tanto para os pais quanto para os filhos.
Entre os sentimentos negativos mais freqüentemente encontrados destacamos a(o): tristeza; isolamento; raiva; culpa; ansiedade; depressão; insegurança; medo; e solidão
O processo de separação, inserido como está nos valores culturais da sociedade, deixa um pequeno espaço para a experiência bem sucedida, pois está associado com: trauma emocional; perda de recursos financeiros; senso de fracasso; e auto-estima rebaixada.
O ajustamento à separação é menos doloroso hoje em dia devido ao fato de que nossa cultura tem ficado cada vez mais dessensibilizada e aceita a dissolução conjugal, a família de um só pai e o re-casamento.
Os seguintes fatores podem ser considerados suficientes para justificar o rompimento do vínculo conjugal:
A incompatibilidade de gênios (divergência de valores, interesses, filosofia de vida foi apontada como uma variável importante e frequente dentre outras em seu processo de separação amigável); problemas de comunicação; expectativas não atendidas no casamento; frustração das necessidades emocionais e sexuais; diminuição da cumplicidade e do prazer de estar juntos, no sentido de partilhar as coisas como gostaria; expectativas irrealísticas trazidas para o casamento; acúmulo de sentimentos de raiva, mágoas e decepções devido a esperança de que mudanças ocorram; e pequenas divergências no namoro acabam se transformando muitas vezes em grandes diferenças.
Muitas vezes, a inexperiência devido à juventude e à imaturidade do casal provoca surpresas desagradáveis no curso de sua vida em comum: os dois indivíduos percebem que têm personalidades diferentes, com divergências de interesses e de opiniões também na escolha das atividades e das amizades. Com o passar do tempo, eles crescem e amadurecem de modo distinto, não-paralelo e seus desejos se desenvolvem em direções opostas.
Se não existe mais um acordo sobre a maneira de educar os filhos e de levar adiante a empresa familiar, qualquer acontecimento, mesmo se irrelevante, pode vir a se tornar motivo de briga.
Interações neuróticas podem ajudar a acirrar as divergências e a criar a incapacidade (ou falta de vontade) de chegar a um acordo. Além disso, não poucas vezes, a infidelidade torna-se assim mais um indício de um estado de incertezas e insatisfações do que uma alternativa real para um casamento que chegou ao fim.
Quando a consciência da situação crítica se aguça, o casal questiona o sentido de prolongar uma relação conjugal fundamentada em bases tão frágeis.
Analisando as dificuldades surgidas no relacionamento conjugal, salienta-se que a existência do relacionamento conjugal impõe problemas, rotina, compromissos a casados ou não porque é inevitável enfrentar as responsabilidades de um trabalho repetitivo, das obrigações na escola ou na família. Estão surgindo novos critérios para determinar se um relacionamento é bom, o que aumenta a sensibilidade das pessoas quando ele não parece satisfatório. A frustração é grande quando as metas não são inacessíveis; e elas o são quando as expectativas são muito discrepantes da realidade.
As falhas na comunicação também foram apontadas como determinantes da separação conjugal. O parceiro tem que deixar que o outro saiba o que ele sente e pensa, o que gosta ou desagrada, porque, caso isso não ocorra, o parceiro será incapaz de entender qualquer mensagem que o outro tenta transmitir.
A comunicação clara e adequada favorecerá também um bom relacionamento sexual.
O estabelecimento de uma comunicação franca, no nível sexual, entre os parceiros está na dependência do respeito mútuo que embasa o casamento e que permite a cada um preservar a sua individualidade.
Quando não se tem nada a dizer, lentamente um dos parceiros vai deixando de gostar do outro, fazendo do ato sexual, fonte de ódio, e uma obrigação e imposição egoísta do outro. Uma vez que a característica fundamental do relacionamento conjugal é a relação sexual, é imprescindível, para a harmonia do casal, que esta se processe satisfatoriamente para ambos os cônjuges.
As Reações Emocionais das Pessoas Envolvidas na Separação Conjugal no que se relaciona às reações pessoais geradas pelo término do casamento, encontramos variações na literatura, uma vez que algumas pessoas experimentam grandes sofrimentos, outras sofrimentos menores e outras ainda, um certo alívio.
O divórcio tem ocorrido com freqüência e suas conseqüências parecem situá-lo entre os mais estressantes dos eventos da vida.
O impacto emocional da separação conjugal perturba a estrutura da vida social e emocional das pessoas. A disrupção do casamento costuma produzir perturbações em ambos os sexos, quase que independentemente da qualidade do casamento ou do desejo de dissolução.
O período de separação é muito estressante em sua totalidade, porque requer grande quantidade de energia concentrada em um único problema, o que torna os indivíduos mais fracos, vulneráveis e indefesos, tanto no nível psíquico, quanto no físico.
O fato das pessoas investirem a maior parte de seus recursos emocionais e sua vulnerabilidade em um relacionamento a dois é a causa dos sentimentos de perda, rejeição e abandono por elas experimentados com a dissolução do casamento. O medo, o sentimento de culpa, a raiva e a depressão são assustadores e previsíveis, pelo fato de o divórcio representar a perda de uma das bases da existência das pessoas.
Há diferenças entre os sexos, no que se relaciona ao ajustamento pós-divórcio. A longo prazo, o homem divorciado parece apresentar maiores dificuldades de adaptação do que a mulher na mesma condição. Se por um lado, o homem, em geral, tem a vantagem de não ter que cuidar dos filhos e da casa, por outro, pode experimentar solidão ao sentir-se privado da convivência diária com os filhos, enquanto a mulher pode sentir-se gratificada e certificar-se da própria competência ao assumir responsabilidades reais para eles.
Embora homens e mulheres ao se separarem experimentem mudanças em seu autoconceito, os homens parecem mais afetados porque usualmente são as pessoas que deixam o ambiente familiar e por isso sentem uma falta de identidade, desenraizados, queixam-se de uma falta de estrutura em sua vida. Esses sentimentos foram observados com maior freqüência nos divorciados que eram pais, eram mais velhos e que tinham permanecido por um maior período de tempo.
Um acentuado sentimento de perda dos filhos e um declínio no seu sentimento de competência sõ algumas das principais mudanças observadas nos pais divorciados durante o primeiro ano, após o divórcio.
O fator mais importante em direção a um autoconceito, tanto para homens quanto para mulheres, foi o estabelecimento de um relacionamento heterossexual satisfatório, pós-separação.
Se por um lado, a pessoa ao descasar-se pode experimentar uma série de emoções negativas como as mencionadas, por outro, a experiência da separação pode ser positiva, ao propiciar oportunidades de descobertas e conseqüente crescimento pessoal.
Apesar das dificuldades enfrentadas, terminar uma relação que fere e constrange é uma boa solução. Descobrir que é capaz de lutar, de se adaptar à nova situação pode resultar para a pessoa em muita energia, determinação e autodesenvolvimento.
Se um casamento insatisfatório pode ser muito desgastante e produzir tédio e desânimo, o seu rompimento pode ter conseqüências muito positivas para a pessoa, até mesmo fisicamente, proporcionando-lhe rejuvenecimento, nova disposição, vitalidade e uma maior energia produtiva.
O processo de reconstrução, após uma primeira experiência negativa, exige que a pessoa desenvolva ao máximo e de maneira equilibrada todos os componentes da própria personalidade: físico, afetivo, de relacionamento com o ambiente e com o trabalho.
Entre os efeitos positivos da separação, é possível a uma pessoa crecer por meio da crise vivenciada, pois o fato de se descobrir sozinha na busca de identidade pode ser uma experiência assustadora e única, mas que também propicia grandes oportunidades de desenvolvimento.
Quando as pessoas são capazes de lidar com o divórcio de uma “forma enriquecedora”, elas enfrentam melhor as mudanças no estilo de vida, responsabilidades e relacionamento com os filhos. Deve ser lembrado, porém, que para se tornarem prontas para essas mudanças, elas devem ser capazes de elaborar melhor o passado.
Parece haver duas fases no processo de ajustamento à separação; a primeira caracteriza-se pela desestruturação emocional, com a auto-estima destruída e com dificuldades de aceitar a separação como algo definitivo. Já a segunda fase consiste na descoberta do potencial, com sentimentos de reestruturação, autovalorização, crescimento como pessoa devido ao processo, mas que apesar de tudo, algumas vezes ainda experimentam altos e baixos.
Quanto a percepção de comportamentos, emoções e sentimentos, a maioria das pessoas sentem-se ótimas, mas seguras, livres de emoções negativas, com visão positiva do futuro e da vida, com auto-imagem elevada.
O Papel do Terapeuta na Separação Conjugal é resgatar a auto-estima, ressaltando qualidades e habilidades; realizar análise funcional das dificuldades para que a partir de uma melhor compreensão das mesma consiga visualizar alternativas para resolve-las; clarificar todo o processo para as crianças, corrigindo percepções distorcidas de relacionamento homem-mulher, casamento, etc.
Mostrar às crianças as qualidades dos novos parceiros dos pais, pois há crianças que têm dificuldades de aceitação dos novos parceiros porque devido as constantes brigas que elas presenciam elas não conseguem ver as qualidades destes novos parceiros.
Fornecer subsídios à reflexão dos clientes para que possam tomar decisões mais seguras no sentido de reestruturarem seus relacionamentos.
* Almeida, C. G. de. Grupos de casais separados e seus filhos. Sobre comportamento e cognição, 29 (2), p. 245 – 249.
Moraes, C. G. de A. Separação conjugal: sua influência familiar e o trabalho com grupos de apoio. Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas, 28, p. 323 – 327.